Seremos substituídos pelos robôs? Será o fim do trabalho?
A robotização dos processos nas empresas e o desenvolvimento da inteligência artificial sinalizam para a extinção de muitos postos de trabalho. No telemarketing, já conversamos com um robô ao telefone e em breve não precisaremos mais dirigir carros, pois eles serão autônomos.
O anúncio do fim do trabalho foi feito no início de 1980 pelo filósofo austro-francês André Gorz. Já no século passado ele dizia que não somos mais uma sociedade do trabalho, pois o emprego é desnecessário para a produção de riqueza e não atende às necessidades básicas do ser humano. Se as máquinas substituem os seres humanos e o mercado de capitais gera riqueza sem a necessidade de empregos, onde vamos trabalhar?
Recentemente, o professor e escritor israelense Yuval Noah Harari refletiu sobre o fim do trabalho decorrente da automação no livro 21 Lições para o Século XXI:
“Os temores de que a automação causará desemprego massivo remontam ao século XIX, e até agora nunca se materializaram. Desde o início da Revolução Industrial, para cada emprego perdido para uma máquina pelo menos um novo emprego foi criado, e o padrão de vida médio subiu consideravelmente. Mas há boas razões para pensar que desta vez é diferente, e que o aprendizado de máquina será um fator real que mudará o jogo.”
Isso porque a inteligência artificial aliada à biotecnologia poderá reproduzir os padrões humanos e recombiná-los através de algoritmos que façam de músicas a diagnósticos médicos. Se, por um lado, empregos serão reduzidos, por outro lado, novos empregos serão gerados, principalmente aqueles com alta especialização, exigindo a cooperação entre os humanos e a inteligência artificial.
Mas, para onde vão os empregados não qualificados da antiga “sociedade do trabalho”: operários, repositores, atendentes, motoristas? Provavelmente para lugar algum, ficarão desempregados.
Para Harari, é preciso conter o avanço dessa transformação social e algumas medidas possíveis para a preservação dos seres humanos (e não para preservar os empregos) seriam:
a redução no ritmo dessas mudanças para que as pessoas possam adaptar-se;
uma revolução educacional que preconize novas competências e habilidades, além da conscientização da aprendizagem ao longo da vida;
a renda universal básica que consistirá no pagamento de uma quantia suficiente para a satisfação de necessidade básicas das pessoas.
Essa possibilidade aventada por Yuval Harari de frear o ritmo dessas mudanças tecnológicas não me parece ser possível, pois isso exigiria um extremo controle estatal pouco efetivo sobre o desejo de desenvolvimento das empresas. Se elas não puderem expandir seu desenvolvimento, migrarão para outros locais onde possam fazê-lo sem impedimentos ou atuarão na clandestinidade. Assim como no mito grego do roubo do fogo por Prometeu, não parece que os seres humanos reduzirão o ritmo do desenvolvimento tecnológico!
Quanto à revolução educacional, esta sim me parece ser a chave para uma ressignificação de nossa ação. É preciso uma grande capacidade de adaptação para que possamos lidar com essas mudanças econômicas e sociais. Para tanto, os conhecimentos disciplinares ensinados atualmente na educação básica não são suficientes e, ouso dizer, tornaram-se obsoletos!
Não defendo o fim da escola, mas sim a valorização do seu papel social e político, tal como propuseram Masschlein e Simons. Para esses autores, a escola deve resgatar sua função originária, a saber, ser fonte de tempo livre para o estudo e a prática; fonte de conhecimento e experiência disponibilizada como um bem comum.
Há muitas críticas ao modelo educacional vigente, compreendido como “educação bancária” por Paulo Freire... mas, infelizmente, muito pouco foi feito para transformá-la! Também nosso modelo universitário se mostra despreparado frente as novas tecnologias, ainda não garantem a especialização necessária para lidar com elas. O que fazer então? Onde aprender?
Uma expressão clichê na atualidade é a de “aprendizagem ao longo da vida”... Ora, quantos de nós estão abertos para aprender através dos vídeos do YouTube, assistir cursos livres disponíveis pela internet ou ler livros sobre assuntos aleatórios de interesse? Quantos de nós temos a consciência de nossa autonomia para guiar o processo de ensino-aprendizagem nesse mundo que disponibiliza através da internet tantos conhecimentos e informações relevantes?
Saber usufruir do tempo livre para ampliar nossa consciência e nossa capacidade crítica é parte essencial, a meu ver, dessa revolução educacional!
Quanto à defesa da renda universal básica, ela foi proposta tanto por Harari, quanto por André Gorz. Isso nos leva a outro problema: o que significa básico para os padrões de uma sociedade? É possível uma definição universal do que seria “básico”? Quais serão os valores norteadores desse valor?
Gorz entendia que se o emprego não existirá mais, só nos restará a trabalho - no sentido antropológico-filosófico, de ação humana transformadora[1]. Esse jamais desaparecerá enquanto existir a humanidade. Mas o que significa trabalhar nesse contexto? Se os robôs roubarem nossos empregos e não precisarmos mais dele para garantir nossa subsistência, qual será o sentido de nossa ação no mundo?
REFERÊNCIAS
GORZ, André. Via para ir além da sociedade salarial. CEPAT Informa, Curitiba, n. 59, p. 52-6, mar. 2000.
GORZ, André. A crise e o êxodo da sociedade salarial. Cadernos IHU, ano 3, n.31, 2005. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/images/stories/cadernos/ideias/031cadernosihuideias.pdf
HARARI, Yuval Noah. 21 Lições para o Século XXI. Trad. Paul Geiger. São Paulo: Cia. das Letras, 2018.
MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública. Trad. Cristina Antunes. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
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