Talvez, a pergunta para aqueles que não são gênios seria: para que desejar a genialidade?
O que faz um gênio? Será que eles nascem gênios ou se tornam gênios? Será que eu posso me tornar um gênio? - eis questões frequentemente discutidas na educação.
Mas novamente essas questões se impuseram a mim após assistir a uma série sobre o time de basquete Chicago Bulls e seu ilustre jogador Michael Jordan. Inevitável não pensar na figura desse atleta extremamente competente, disciplinado, que treinou durante horas e por vários anos para conquistar os títulos da NBA e liderar a equipe. Contudo, quando ouvimos os relatos de seus colegas e treinadores, há algo de “sobrenatural” nesse atleta e que o torna uma espécie de gênio.
Seja na arte, seja no esporte, encontramos pessoas que se destacaram por sua capacidade acima da média. É comum identificar nelas uma fixação naquilo que fazem, como se enxergassem uma “única coisa” a ser feita, um “único objetivo” ao qual dedicaram a sua vida. Diferentemente da concepção de que o gênio não precisa aperfeiçoar sua técnica, o que vemos são pessoas que, desde a infância, se destacaram por algum talento, tornando-se extremamente disciplinadas, com horas de dedicação diária ao aperfeiçoamento de sua técnica, inclusive vivendo em função disso..
Mas nem sempre ser gênio é sinônimo de sucesso. O pesquisador Lewis Terman acompanhou durante décadas o desenvolvimento de crianças consideradas geniais. Contudo, seus estudos fracassaram ao mostrar que não há uma relação direta entre ser gênio e ser bem sucedido na vida. Ora, devemos considerar o que significa “bem sucedido” em nossa sociedade: é ter fama e dinheiro, ganhar um prêmio Nobel, ocupar o mais alto posto de trabalho?
Um exemplo disso é o de Christophe Langan que começou a falar aos 6 meses e aos 3 anos, aprendeu a ler e escrever. Na escola precisava de poucos minutos para ler livros em outras línguas. Seus testes de QI superaram em muito os de Einstein e, apesar de sua inteligência, ele perdeu a bolsa na universidade e nunca mais voltou. Hoje, aos 68 anos de idade, cria cavalos em Montana. Não cabe aqui questionar se ele foi “bem sucedido” em sua vida, mas é fato que sua inteligência não o fez um novo Einstein.
A história de Langan é particularmente interessante para criticarmos uma falsa crença de que basta ter uma habilidade cognitiva acima da média para alcançar o sucesso, desconsiderando que há vários fatores cognitivos como a curiosidade e a motivação, além de fatores ambientais que interferem em nossa vida. O que também pode ser visto no filme Gênio Indomável.
Langan tinha uma capacidade inata, dada a precocidade de seu processo de aprendizagem. Contudo, ele parecia bastante entediado na resolução dos problemas escolares, haja vista ter dormido na metade do exame para entrada na universidade estadunidense, apesar de obter a nota máxima. Os exames provavelmente eram pouco desafiadores para ele e não o estimulavam.
Mas há outro problema subjacente à questão do gênio: é uma capacidade inata ou desenvolvida? Se for desenvolvida, seria possível eu me tornar um gênio em determinada área?
Se pensarmos nas biografias de Mozart, Beethoven, Michael Phelps e Michael Jordan, talvez possamos defender que é uma capacidade inata, despertada desde a infância e aperfeiçoada ao longo da vida com muita disciplina. Se isso for verdadeiro, não podemos nos tornar gênios pela prática deliberada de um hábito.
A esse respeito, lembro-me do relato do pianista Nelson Freire sobre a sua infância. Com um certo pesar ele mostrou uma fotografia ao lado de outras crianças da família, em que era o único que usava sapatos. Isso porque enquanto as crianças brincavam descalças no quintal, ele se dedicava ao piano. Ainda nesse documentário, ele diz sobre o piano em sua vida: “é a única coisa que eu sei fazer”, como uma espécie de “condenação” diante da descoberta de sua genialidade.
Se não nascemos e não nos tornamos gênios, se não fomos condenados a um talento específico, nem por isso deixaremos de aprender, pois a inteligência é uma capacidade cognitiva maleável que demanda prática constante, curiosidade e conexão entre ideias diversas.
Talvez, a pergunta para aqueles que não são gênios seria: para que desejar a genialidade? Quais seriam as implicações dela em sua vida? Se for sucesso, já vimos que muitas vezes não há correlação... se for pela facilidade de fazer algo, já vimos que isso envolve tédio ou disciplina espartana... se for para não ter que pensar o que deseja fazer da própria vida, sinto muito, eis a condenação dos não gênios!
REFERÊNCIAS BOALER, Jo. Mente sem barreiras: as chaves para destravar seu potencial ilimitado de aprendizagem. Trad. Daniel Bueno. Porto Alegre: Penso, 2020. LISBOA, Sílvia. O que faz um gênio. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/o-que-faz-um-genio/
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